Relato Rita Canavarro



(Nota prévia: a memória é talvez a forma de mediação que temos mais próxima de nós. Estas notas deixarão por certo um espaço de construção lato entre o que aconteceu no CAM e o que nelas é relatado. Mas aqui vai…)
Fiz parte do grupo A, que tinha a Sara Franqueira como coach e os workshops “As escalas do objeto e os desafios da alteridade no espaço museológico”, com a Lorena Sancho Querol e o Pedro Pereira Leite; “Namorar o espaço a obra”, com a Luísa Costa (em que não pude estar presente); “Mediação Narrada”, com o Miguel Horta.


As escalas do objeto e os desafios da alteridade no espaço museológico – Lorena Sancho Querol e Pedro Pereira Leite
Encontrámo-nos no átrio do CAM, e a coach explicou-nos o objetivo dos workshops.
Encaminhámo-nos para o espaço da galeria. “O mundo é composto de mudança”. Chegámos ao núcleo de Amadeo de Souza-Cardoso.
Ali estavam (por ordem de captação da minha atenção) a Lorena, o Pedro, os amadeos e as suas cores gritantes, dois bancos portáteis de exposição, uns panos dobrados de cores gritantes, sofás de exposição pretos, o Coty (a pintura de Amadeo que é quase como uma amiga, de tantas vezes que já “nos encontrámos”).
Deram-nos as boas-vindas, pousámos as coisas e arrumámo-nos organicamente num círculo (o habitual: umas um passo mais atrás, outras um passo mais à frente). O Pedro pediu para nos apresentarmos, e cada uma disse o seu nome. Depois pediu-nos para repetirmos alguns nomes, e aí surgiu o primeiro momento de verdadeira descontração e sentimento de grupo: rimo-nos. Poucas conseguiram identificar os nomes todos das companheiras. Fizemos um pingue-pongue de dizer o nome de alguma de que nos lembrássemos. Não correu mal.
Depois, pediram-nos para nos dividirmos por local de trabalho: as dos museus para um lado, as dos centros culturais para outro. Houve quem ficasse a meio caminho, e achámos que era preciso encontrar uma terceira categoria: “outras coisas”. Rimo-nos outra vez. Mas houve de facto quem encontrasse aí o seu lugar, e não foi apenas um lugar de segunda escolha; foi um lugar de conforto (para onde as integrantes desse novo grupo se dirigiram com passos decididos).
Mais uma escolha, mais uma afinidade: quem é que gostaria de trocar? Quem é que gostava de ir trabalhar para um museu e vice-versa? Houve bastantes movimentações (mas também vontade de fazer desvios e de desenhar mapas profissionais completamente novos)!
Só mais umas perguntas para nos unirmos por afinidade: “Quem é que escreve?”; “Quem é que canta?”; “Quem é que dança?”. Novos trajetos para cá e para lá e, mais uma vez, umas a meio caminho.
Finalmente, pediram-nos para irmos até ao banco escolher um pano da nossa cor preferida e embrulharmo-nos com ele. Desfizemos os pequenos círculos por afinidade e todas aderimos alegremente à proposta. Eram todos diferentes, não havia para todas. Algumas não ficaram com a cor preferida, mas houve quem de imediato resolvesse o problema criativamente: partilharam-se os panos.
Convidaram-nos a fechar os olhos e a escutar os sons do museu.
– O que é que ouviram?
– Vozes distantes dos outros grupos. / Passos.
– A cor que escolheram e com que se embrulharam influenciou os sons que ouviram? / Porque é que escolheram essa cor?
As respostas foram muitas e, depois de dizermos o porquê da cor, algumas associaram a cor aos sons. Em alguns silêncios estaria a resposta de que a cor não tinha tido impacto no ato de escutar.
Voltámo-nos então para o Coty e começámos a falar dele. Talvez seja importante dizer que teriam passado aí uns dez minutos. Continuávamos embrulhadas nos nossos casulos coloridos.
O mote para a conversa foi a pergunta simples sobre se conhecíamos o quadro e o que é que tínhamos a (ou será que foi “gostaríamos de”?) dizer sobre ele. Pergunta fechada, seguida de pergunta aberta e que deu pano para muitas mangas.
Daqui para a frente, a conversa andou sempre em torno do nosso encontro com o Coty. As perguntas que faziam avançar a conversa foram-se sucedendo e porventura não foram as que aqui aponto, nem nesta sequência, mas o sentido que em mim evocaram expressa-se nestas: se o quadro tinha som ou sons e, se tinha, quais eram? Este quadro gritaria? O que víamos? O que é que o quadro nos fazia sentir? Haveria uma história para ser contada no quadro? O que saltava mais à vista ou o que mais atraía o nosso olhar? A cor que nos embrulhava tinha interferido de algum modo no que víramos no quadro?
Fizeram-se mais perguntas, de certeza, mas não me ficaram na memória. Deram-se muito mais respostas e fizeram-se associações que derivaram em pequenas conversas (umas mais paralelas que outras). Falámos de modernismo; da natureza fragmentada do quadro; dos pedaços de espelho e de como nos víamos a nós mesmas no quadro. Confessaram-se pequenos relatos pessoais, evocaram-se posicionamentos éticos sobre o feminino, falou-se dos atributos da mulher, recusaram-se os atributos da mulher, falou-se do que é ser mulher, recusou-se o que é ser mulher (ontem, hoje, desde sempre?).
Talvez seja importante dizer que toda esta partilha demorou 20 a 30 minutos
No final, os bancos portáteis voltaram a ser colocados à frente do Coty e foi lançada uma última pergunta: se o nosso olhar sobre aquele quadro se tinha modificado depois desta experiência?
Quase todas disseram que, desta feita, tinham visto coisas no quadro em que não tinham reparado anteriormente e que tinham associado ideias novas, verbalizadas pelas companheiras, ao mesmo. Essas ideias, agora fazia todo o sentido serem ditas.
Antes de sair, todas devolvemos os panos.
coach abriu um breve espaço para questões, mas as duas ou três que surgiram foram levadas para o espaço de discussão que se seguiu, já nas salas da sede da Gulbenkian onde decorria o principal dos trabalhos da conferência.
Discussão – tópicos, perguntas sem resposta, inícios de conversa muitas vezes sem fim à vista:
Fundamentos orientadores desta proposta de mediação
  • Gramática ou política da intersubjetividade – recuperação de técnicas usadas na psicoterapia com grupos específicos, como o psicodrama.
  • Ecologia dos saberes – conceitos provenientes das ciências sociais, da sociologia, da psicologia, da filosofia: Bachelard, Moreno, Aristóteles
 > "olhar coletivo ajuda a construir a realidade – o olhar coletivo legitima-se através da reunião de olhares individuais” – novo paradigma que ultrapassa o individual e passa para o coletivo – ideia de “saneamento” necessário à sociedade.
 > ponte com o workshop – construir o objeto museológico partindo das ideias individuais para o coletivo – viajar para dentro do quadro.
Ideia de transescalar – passar da escala pessoal para a escala grupal.
A obra provoca inquietações – ela é apenas o pretexto para falar de temas diversos e para fazer crescer cada indivíduo. A ideia é passar a palavra para os indivíduos, e a obra é construída de forma muito simples, através do cruzamento de olhares.
Formato: estratégia composta de 3 partes
1. Aquecimento – dinâmica de grupo, jogo de apresentação – a utilização de cores fazia parte da construção do espírito de grupo, como o pedir para ouvirmos sons e para nos unirmos por afinidades;
2. Desenvolvimento;
3. Síntese – para tomada de consciência – fazer viajar no tempo, recuar no tempo e verbalizar a transformação ocorrida.



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